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sábado, janeiro 29, 2005

Um Mar Aqui

Talvez a geada brava queime mais do que apenas a face seca da terra... Talvez as framboesas se percam, na próxima estação... Eu não sei. Chamo os homens e pergunto-lhes. Falo-lhes devagar, enquanto esfregam as mãos pesadas. Reparo nas gretas que se lhes rasgaram na pele, de ontem para hoje, e parecem-me que despertaram mais graves e belas. Como a seca que dá na terra. Volto para dentro. Mais lenha, mais leite, mais frio, menos preguiça: já nenhum sono. Vais querer saber de mim e eu vou dizer-te que acordei sem nenhum desejo de estrada. Resolvi pintar a cerca, aproveitar que não chove!... Misturei novos azuis. Quero-os com urgência nos rodapés. Como se fosse um mar distante a lamber-me a soleira da porta. Em Janeiro. A começar esta manhã: daqui por um bocadinho.

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quinta-feira, janeiro 27, 2005

O Grande Prestidigitador


Decidi habitar um canto do mundo onde nem os cabos chegam. Pareceu-me bem. Vejo daqui todas as coisas. Com um impacto amortecido. Como se a distância me poupasse à preciptação do primeiro estrondo e do exagero que sempre o acompanha.
(...)

Algumas muitas semanas. Contas feitas: meses, talvez. E não, não mudei de escolha. Continuo a querer assim. Continuo a preferir assim. Apenas uma diferença, introduzida lentamente aos dias: agora vamos religar-nos ao que sobra de vasto no universo. Para lá da quinta e da horta, do outro lado do pomar, na direcção apontada do caramahão. É importante. É preciso. Seja!... Não mais as ausências, nesse caso. Não tão longas e intransponíveis, pelo menos.

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sábado, janeiro 22, 2005

Compromisso

Pois sim, eu sei: chovia torrencialmente, sim. E sei, pois sei, do corpo imóvel, paralisado diante do vão da pedra, deixando-se encharcar, na manha das falsas humildades, corpo-jogador, no falsete dos abandonos, em aparente submissão ao dilúvio jorrado dos céus, à mercê da água e do amor restante. Sim, eu sei. Ainda sei. Ainda me lembro. Bem vês, não cumpri inteiramente este meu projecto de esquecimento. Ainda é cedo. Preciso de mais tempo. Que a memória é um adversário à altura e não cai por terra nem ao primeiro, nem ao segundo golpe!... Volta para o ano. Pergunta-me de novo daqui a 365 dias. Quem sabe este lento processo de aprendizagem não acelere a partir daqui?!... Quem sabe não faça eu um inesperado progresso e te responda, por sobre um breve sacudir de ombro, «Quem és tu? Recorda-me de ti porque esqueci o teu nome».

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sexta-feira, janeiro 21, 2005

45 segundos

Deveria eu, agora, dizer-te se vou ou se fico. Dizer-te acerca de um qualquer «afinal» que já não me apetece, agora que te demoraste mais 45 segundos para além do tempo mental que cronometrei para ti. E então tu dizes nomes e somas imagens. E chamas cada mulher por um prefixo. Inventas-lhes diminutivos concisos e ovalados. E escolhes, uma a uma, as imagens por onde possa caber e gritar essa ínfima partícula de indivizível que impede que as confundas a todas. E digo-te eu que estás à vontade: que podes dar-me um nome também, que podes chamar-me o que quer que seja!... Mas tu não dás. Não chamas, não prefixas, não diminuis. E fico eu sem saber porque raio me fazes maior que o mundo... Porque assustadora razão me queres diferente de tudo o mais. Até do que reconheces. Até do que te é familiar.

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Um Dia Antes do Tempo

Um dia antes do tempo, houve um sol que chegou devagar. Lento e rápido, como as coisas contrariadas ao espaço, absurdas de sentido, esfarrapadas em lógicas desencaixadas dos compassos binários por onde a compreensão das coisas (geralmente) se formata e avoluma. Só depois me contaram dos relógios e das horas. Mesmo assim, esqueceram-se de me dizer das vezes - de todas as vezes - em que urge um lugar por detrás do reposteiro. Das vezes com sombra. Dos degraus sem dono. Dos dias que vieram depois do tempo, quando já havia sol, e se fez preciso procurar um lugar na penumbra, por detrás dele.

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quarta-feira, janeiro 19, 2005

Meios

Brinca-me. Brinca-me num giro de pião, num vinco quebrado à asa, numa pressa presa ao ponteiro do meio-dia. Ou da meia-noite. Ao meio da cama. Pelo meio do corpo. Brinca! Brinca-me, então.

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sábado, janeiro 01, 2005

Manhã Primeira

Eu não digo «Bom Dia». Abro os olhos e acordo. Ponho os dois pés espalmados sobre o soalho e subo as escadas atrás de um copo de água limpa. Eu não quero saber se dormiste mal ou bem, que os sonhos dos outros não me pertencem. Esfrego um olho após o outro e abro as janelas de par em par. E se volto para a cama, de vez em quando, é só porque odeio frio nos tornozelos e continuo sem descobrir em que gaveta foram parar as minhas meias de lã cardada às ovelhas da serra.

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