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sexta-feira, outubro 29, 2004

Em Retirada


Fazes perguntas que prefiro evitar. Por nenhuma razão pessoal, na verdade. Apenas porque para te responder se torna incontornável falar-te do meu país. E falar-te do meu país é, de uma forma ou de outra, dar-te o retrato do país que há aqui: tal como o vejo e sinto. Dentro, bem cá no fundo, em consciência, eu sei que não poderia fazer-te um retrato de que me orgulhe... E assalta-me um pudor estúpido... uma espécie de embaraço...um constrangimento difícil de justificar. E calo-me. E evito-te as perguntas. Não te respondo. Sinto-me demasiado envergonhada do Portugal que há, para falar dele agora... Digo-te apenas: estão todos retirados, os Guerreiros do Meu País. Todos. Quase todos. Os mais valentes, pelo menos. Os mais lúcidos e mais capazes. Afastados. Cansados. Retirados, os Grandes Guerreiros do Velho Império. E tu concluis: «Algo de grave deve estar a acontecer em Portugal!... Algo de muito grave, então». Não sei se é para lhe branquear o rosto junto de ti , ou se é para me reconfortar um pouco a mim mesma... sei que dou comigo a responder-te: prefiro pensar que confabulam! Prefiro pensar que enquanto descansam, reúnem e não esmorecem. Apenas confabulam. Outras e novas possibilidades onde a criação volte a ser possível.

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Telefone Vermelho

Há duas noites atrás ela ligou. Madrugada alta, quase cinco da manhã. E eu sei que é ela. Hoje em dia ninguém me telefona fora de horas. Aliás, raramente me telefonam porque eu me dediquei a um persistente e minucioso trabalho de infalível efeito dissuasor. Há muito que venho disseminando obstinadamente este capricho de nunca atender o telefone. Não demorou muito a que se tornasse convenientemente público. As pessoas ironizavam e eu deixava-as ir troçando. Continuo, aliás, a alimentar perversamente o lugar comum da "loira distraída" porque me convém de sobremaneira: serve na perfeição a este meu desejo de cortar ao mundo as tiranias e intromissões. Previne-me das invasões e poupa-me à estranheza dos ofendidos. Há duas noites atrás, porém, o telefone tocou fora de horas. E eu atendi: primeiro, porque ninguém tem culpa da diferença de fuso horário; depois, porque sei que só pode ser ela. E ela eu atendo, sim. Sempre. Porque a amo, é simples.

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A Partir de Agora

A tempestade estala a manhã sem piedade. Olho a nuvem negra, por aliviar, suspensa ao fundo do horizonte. Escuto o avanço do trovões. A chuva fustiga os vidros com toda a força que traz. Apanho a chave do carro. Vou fazer a estrada assim mesmo, não importa. Vou ver-te hoje. Vou ver-te já, a partir de agora. É já demasiada a fome que tenho de ti.

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Por Um Triz

Volto atrás. Páro em cima desta ideia: tornar-me meretriz de alguém que me garanta num golpe toda a música do mundo... Subitamente, parece-me engraçada. A ideia. A palavra também, confesso. Acho a palavra "meretriz" simplesmente maravilhosa. Gosto de tudo o que me soa por um triz. Lembra-me um rasgo da canção que o Chico e o Edu Lobo compuseram em tempos para O Grande Circo Místico (outro nome admirável! genialmente iluminado para dar a um circo, na verdade!...). Vi-o bailado pela Companhia de Ballet da Guanabara no Coliseu, ali para os lados das Portas de Santo Antão. Há muito tempo. Bem pequena, eu, nesse tempo!... Dizia assim, a canção: «para sempre é sempre por um triz». Parececeu-me belo logo ali: na penumbra da sala, antes dos assentos estofados, quando ainda havia "arrumadores" e se dava gorjeta por nos terem conduzido ao nosso lugar... Mais tarde a vida encarregou-se de juntar sentido a essa primeira aceitação da intuição estética do verso. Depois fiquei assim: incondicional amante de tudo o que é «por um triz».


P.S - Também gosto da palavra "cortesã". Mais burguesa, mais bafejada de lustro, mas ainda assim igualmente bela. A palavra. As mulheres também. Dizem!... Pelo menos espera-se que o sejam. A palavra dá, pelo menos, uma ajuda ao insinuá-las logo assim, à cabeça.

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«Se Acontecer»



Era capaz de casar com este homem só pelas mãos e pelo som que as consoantes têm na boca dele!... É por estas coisas que é horrível não ter emprego: olhar «Vaidade» pelas esquinas e saber que não posso simplesmente deitar-lhe a mão à primeira, como sempre fiz!!... Considero seriamente a hipótese de me tornar meretriz de alguém, se em troca puder ter toda a música do mundo...


As estrelas brilham sem saber
Mas cada vez melhor
Pois foi só você aparecer
Todas desceram pra ver você brilhar de cor

O que mais chamou minha atenção
Sua expressão sutil
Isso eu já não posso esquecer
Porque não foi só visão, o coração sentiu

A tenda da noite
Enche de sombra um sonhar vazio
Percorri tantas fontes
Até ver você
Sair do nada pros meus horizontes
Que amanhã, pura e sã, com as mãos de jasmim
Vá roçar seu rosto
Pro amor ardente despertar por mim
Deus é pai, vai saber
Se acontecer
Serei seu até o fim

Nem em tempo de chuva
Que chova
Eu não largo da sua mão
Nem que caia um raio
Eu saio
Sem você na imaginação


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«Nights In White Satin»




«Nights in white satin, never reaching the end
Letters I've written, never meaning to send...
»


Podes vir se me contares uma história, se encheres a noite até ao meio e me deixares tudo o mais pela metade, tudo o mais para amanhã. Podes vir se aceitares deixar-me ao meu silêncio e traçares uma linha a giz que divida o sofá ao meio e o tempo em dois. E tu dizes que a antiguidade é um posto. E eu lembro-te mais um punhado de coisas que me ensinaste além do amor dos corpos. E ris o teu riso obsceno de mestre sem reino certo: «Nights in White Satin!... Salve, todas as noites de criminoso rapto e o milagre da Lolita parida nas gargantas escarpadas do Guincho!» E rio eu: menina de sorte no colo do Lobo, a adolescer o lado melhor das coisas do amor sem precisar crescer demasiado. Referências de beira de estrada, eu diria. Voltas a rir. «Mas fiz-te camas divinas em bermas de folhas! Esmerei-me em recantos de serra. Descobri para ti dunas de colchão macio e adamasquei-te leitos em lugares onde nunca nenhuma mulher amou antes de ti.», dizes. E depois dedicas-te a lembrar-me todos os tectos que houve, todos os tectos milimetricamente escolhidos a mim, que tenho caprichos de cama, e cobras um pouco mais de justiça, um pouco menos de impertinência. Honra te seja feita, é verdade! Tu: eterna sabedoria guardada às mãos do Mestre.

O tempo roda, os anos giram, mas nunca nenhum louco me parece mais delirantemente adorável que tu. É ainda e sempre teu o indefectível posto do meu louco preferido.

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Duas Águas

Leio aqui:
«A água é dos melhores amigos que tenho

Belíssima amizade. Belíssima a forma breve e simples de a nomear.

e

Leio aqui:
«A chuva tem o ritmo do sono, que perversa sedução

Quase carne. Quase corpo. Quase sensação lambida na pele da frase.

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quinta-feira, outubro 28, 2004

"Olhos nos Olhos"

Clarice Lispector olhou nos olhos de Chico Buarque de Hollanda e viu qualquer coisa que gostou. «Seus olhos transmitem candura», ela disse. Clarice não cultivava o hábito de convidar "personalidades"para o salão da sua casa. Mas convidou Chico. Uma vez. Talvez outras também. Eu não sei. É provável. Mas sei desse bilhete que chegou intacto à exposição Chico Buarque - O Tempo e o Artista, que estava em cartaz no Espaço Eliseu Visconti, da Biblioteca Nacional. Um bilhete onde Clarisse parecia querer dar conta do convite.

«Eu também tenho candura dentro de mim, só que foi muito machucada», ela escreveu.

E depois rematou: «Não deixe nunca que a sua seja atingida».

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Violetas ou O Elogio do Lavrador




Ganhei um vaso de violetas no mercadinho da estrada. Está pousado na minha mesa a par com a luz intensa da manhã de Outono. Penso nos dedos grossos do homem. Tinham veios rijos, infiltrados de terra, rente às unhas. Como se fosse uma e a mesma coisa: o corpo do homem e a mão da terra.
É doce, quando as coisas simples nos namoram a medo.

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quarta-feira, outubro 27, 2004

«The Whole World Fits In Lisbon»

Fecho-me ao vento e à chuva de frente para o movimento perpétuo do ecran no escuro. Sempre me agradou esta espécie de tranquilidade reverencial que se experimenta dentro da Culturgest. Entre um cigarro de corredor, mais um café na esquina o balcão do bar e um novo trabalho a correr na sala, vou pensando que talvez seja um qualquer segredo bem guardado da arquitectura. Extraordinários trabalhos vêm acontecendo por aqui. Saboreio-os devagarinho, juntamente com esta nostálgia cinzenta do Outono português. Juntamente com esta saudade dos tempos em que era possível fazer documentários com tempo e inteligência no meu país. Esfumo-me no escuro. Evito caras conhecidas. Não me apetece rever ninguém. Estou a sós com esta frustração de profissão. Grata pelo reverêncial silêncio da catedral de pedra branca onde me encerro: de frente para o sonho concretizado dos outros, a salvo do vento e da chuva.

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domingo, outubro 24, 2004

Samba-Canção para o 23

«Acontece»
Esquece nosso amor, vê se esquece.
Porque tudo na vida acontece...
E acontece que eu já não sei mais amar.
Vai sofrer, vai chorar, e você não merece,
Mas isso acontece.
Acontece que meu coração ficou frio,
E o nosso ninho de amor está vazio.
Se eu ainda pudesse fingir que te amo...
Ah, se eu pudesse...!
Mas não posso, não devo fazê-lo,
Isso não acontece.



«Senões»
Nosso romance teve
senões
e se separaram dois
corações
Posso chorar, até esquecer,
mas o meu desejo é viver
longe de você
Meu interesse é viver sem
você!
Nosso passado eu procuro esquecer!
Ao grande protector eu
peço em uma prece
Senhor, por piedade,vê se
ela me esquece!...
O nosso amor,
um Grande Amor
termina assim...
Todo o romance tem
princípio e tem fim.


Dois temas de Cartola. Negro genial. Mestre das coisas da vida. Artesão dos ritmos e das melodias cozidas nos corações. Velho sabido das coisas do amor e do desamor.

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Calendário

Ainda que leve mais de 24 horas de atraso em relação à tua irreprensível calendarização das efemérides, deixo-te um céu de dilúvio a coroar o dia. Fica então um céu de chumbo para tu seres feliz e te ires entretendo a gravar sózinha todas as datas vãs que possas ainda fazer questão de vir recordar. Mas deixa-me a mim e aos meus esquecimentos. Deixa-me prosseguir o Domingo sem culpas, liberta do juízo que te pode merecer a minha total distracção. É-me indiferente que te pareça imperdoável o que me passou ao lado da lembrança. Na verdade, é a vivacidade da tua memória que me parece patética. Como todos os cultos erguidos sobre as coisas vãs, na inútil esperança de redenção pelo que é sem remédio. Crês na verdade que os dias têm número? E ainda que assim seja, acreditas verdadeiramente que a espaçada ocorrência da repetição nos pode valer depois da morte? ... Pois eu não! Deixo-te, portanto, a alinhavar palavras ralas num céu de chumbo e passo adiante do episódio de ter passado, sem saber, por cima do que não me lembrei. Não tenho o mesmo esmero que tu, reconheço. Não sei de calendários efémeros. Só sei que hoje é domingo e que me apetece ir à Feira de Colares. Mesmo a chover quero pegar de estaca uma hortênsia azul na varanda do meu quarto. E quero pão cozido em forno de lenha para o serão. E apetece-me aquele doce de maçã com dois paus de canela que a senhora do avental da Nazaré vende, na parte de dentro da curva que a estrada faz a seguir ao cruzamento. E apetece-me um chá quente, a seguir. Antes de voltar para casa, a fugir da chuva. No meu lugar preferido. No mesmo lugar de sempre. No que já era antes de ti. Deves lembrar-te ainda de todos os vícios que carrego. Deves lembrar-te ainda desta minha imensa dificuldade de prescindir das coisas que me apetecem. Pois bem, nada mudou. Os caprichos continuam os mesmos. Nenhum progresso. Só consegui corrigir um, durante todo este tempo que entretanto passou: tu. Só consegui libertar-me de ti. Já não me apeteces. Deixo-te, portanto, o céu de chumbo para rabiscares as tuas mensagens. Apetece-me Colares à chuva. E o pão cozido em lenha. E o doce de maçã e canela. E o chá quente com os jornais do fim de semana. Estou de saída para a Feira: apetece-me um pé de avenca azul pegado de estaca na varanda do quarto.

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O Dilúvio

Há sempre um certo cuidado transgressor nessa coisa de nos levantarmos a meio da noite. Como se a nossa presença desperta fosse um ruído infligido aos silêncios que a casa guarda, um inesperado estremecimento às harmonias da noite. Acontece-me frequentemente esta involuntária coincidência de me interpor a esses desertos vazios do sono. Como agora!... E ficar assim: absolutamente crente que sou dona do mundo e que ele me obedece à fala muda. E ficar assim: a escutar a sirene grave do navio que entra a barra, a contar os espaços que vão entre cada apito que esgoela na garganta apertada da cidade dormida, e a descobrir sinais a cada golpe de asa das gaivotas que esta noite debandam para terra.

(...)

6h 36 minutos. O céu que se vinha apertando ao longe desaba por sim sem nenhuma piedade. Chove torrencialmente. Varre as ruas e faz poças largas no jardim.

(...)

Clareou. Imagino que passe das 8h, agora. A casa vem vindo aos poucos do quarto à sala. Espanta-se a casa com o dilúvio, depois do sol da véspera, depois do dia morno e soalheiro de ontem. Eu não! Eu estava aqui. Vi quando o céu se apertou. Vi o golpe de asa que arribou as gaivotas ao grasnado no beiral do telhado. Vi na direcção do vento que propagou o apito do navio à entrada da barra. Vi quando os aviões começaram a desviar a rota de luzes, antes do feltro das nuvens. Vi. Vi daqui. Estava aqui. A ver. Interposta ao vazio. A estremecer harmonias. A desequilibrar silêncios. Ausente do sono. Trangredindo a ordem das horas. Aqui. E vi, sim. Vi. É sem surpresa, portanto: o dia amanhecido.

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(Com)tensão



Jolie e Cage estão dentro do carro. Olham a janela em frente. Dentro da casa, outro homem e outra mulher avançam um sobre o outro sem grande pressa. Jolie e Cage olham. Dentro do carro. Para dentro da casa. Olham vontades que se adiantam. Esperam o instante eminente da eclosão dos corpos desejantes. Esperam. Guardam. Aguardam. Inquietam-se diante da ausência de uma pressa coincidente com a sua. Porque não é igual a pressa, dentro da casa e dentro do carro. Dentro do carro há mais pressa. Dentro da casa há mais movimentos. Jolie e Cage olham. Continuam a olhar. Continuam à espera. Continuam em guarda. Olham vontades que estão alguns metros à frente do carro, alguns passos mais adiantados a si próprios, alguns gestos à frente dos seus. De Cage e de Jolie. De Jolie e de Cage. Dos dois. Idênticos quereres: dentro da casa e dentro do carro. Iguais na pulsão. Iguais nas vontades. Iguais nas intensidades. Iguais na fome do gesto. Os quatro: os dois que se movem sobre a cama, dentro da casa, e os dois que se deixam imóveis, paralizados sem sequer se olharem, dentro do carro. E, de repente, já não se percebe bem o que Jolie e Cage guardam no breu da noite. No carro parado. De frente para a casa. Se guardam o homem e a mulher que olham, ou se se guardam a si próprios. Um do outro. Um para o outro. Um ao outro. Já não se sabe ao certo que avanço aguardam ambos afinal: se o do homem e da mulher, se o de si próprios. Já não se consegue dizer se têm pressa do homem e da mulher, dentro da casa, ou se um do outro, ali: dentro do carro. Gosto que não se perceba. Gosto da ambiguidade que vai da retina à pulsão. Agrada-me o lado fractal das vontades e dos quereres durante o momento da descida ao corpo: quando ludibriam nexos. Quando dissolvem todos os sentidos numa mesma e única coisa que já não é possível dizer o que seja.
(...)
[Fico a ver «Gone in 60 seconds» na televisão. Com o sol da tarde a lamber-me os pés e o soalho. Porque gosto de carros. Porque gosto dela. Porque também gosto dele.]

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sábado, outubro 23, 2004

[A Propósito de «Play The Record Again, James»]

Ponho a tocar no giradiscos que você acaba de religar, pedaços de infância meus... bocadinhos de caminho... esquinas por onde se vai crescendo... Sento-me ao seu lado a escutar o som meio roufenho e a pensar que afinal este sábado também pode ser resgatado a uma alegria mais protegida, mais intocável, mais embalada, menos arranhada. A salvo dos arranhões do tempo sobre as superfícies lisas. Como as dos discos. Como a das coisas que verdadeiramente estimamos ainda que de longe.

Deixei escrito AQUI

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Autorádio



Há a longínqua impressão de um fundo de música... um despropositado fundo de música!... Primeiro no torpor anestesiado e sem sentido do sono donde me arranca... sem aviso... sem cuidado... prepotente... excessivo... desmesurado no exagero do volume... Depois já menos afundado ao despertar... a subir do inconsciente como vapor de água. Pelas janelas escancaradas da casa entra uma música a tocar ensurdecedora... vinda da rua... despropositadamente sonora, a estremunhar a quietude da manhã de sábado. Sinto o cérebro começar a juntar os acordes lentamente... as palavras a clarear na voz que canta... até o som se tornar perceptível... até a mensagem me surgir lúcida aos sentidos...

«... And I wonder if you know
how does it feel
to be left outside alone,
to be left outside alone?!..

E eu sei, de repente e claramente, de onde vem a música a berrar da rua que invade e acorda a casa. Sei sem sequer me aproximar das janelas escancaradas ao jardim. Sei sem precisar de ir ver, de onde vem a canção. Sei sem precisar de olhar que há-de estar um carro preto parado rente ao muro, do outro lado da rua. "Fala-se no diabo e ele aparece"!... Como eu, aqui no blog: escrevi-te e foi como se te fizesse aparecer!... Depois de tanto e tanto tempo!... Arrepio-me com a ideia. Gosto do poder alquímico da escrita. Gosto de a pensar nessa imensa e indelével metáfora de grande prestidigitadora, mas neste momento dispensava-lhe o poder evocativo que te trouxe de novo aqui à porta. Porque é sábado e é muito cedo ainda!... Muito cedo para ter perdido o sono. Muito cedo para o primeiro cigarro e para esta súbita vontade de café fresco. Levanto-me. Passo ao largo das janelas da casa. A música continua a tocar alto, na rua. Não preciso de olhar. Sei de onde vem. Só não sei por onde ainda me entra. Devem ser as janelas escancaradas!... Deve ser por causa deste descuidado hábito de deixar as janelas abertas durante a noite!...

«... And I wonder if you know
how does it feel
to be left outside alone,
to be left outside alone?!...»


[Céus...!! Ás vezes, as mulheres também podem ser mesmo muito obsessivas!... Como esta que agora canta aos gritos na rua. Como a Anastasia.]

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sexta-feira, outubro 22, 2004

Fora de Época

Um dos homens avança na minha direcção. Observo-lhe o constrangimento do meu peito nú, à medida que se aproxima. Vem dizer que estãoa recolher os anzóis. Vem avisar que não tarda vão embora. Diz que devia sair da praia juntamente com eles. Diz que os dias agora escurecem mais cedo: « ... a noite cai sem se dar por ela. É mais traiçoeiro o breu, a partir de Outubro». Pergunto-lhe se acaso é poeta?!... Porque podia ser!... Porque parece ser. Em resposta diz apenas: « Agora também começa a ser perigoso apanhar este sol na cabeça, sabe? Faz mal!» Fico eu a achar que talvez fosse uma forma delicada de me diagnosticar uma súbita loucura alheia. Insiste: «É perigoso ficar para trás. Estavamos ali a comentar: ficar aqui sozinha... estávamos a comentar que pode ser perigoso!» Sorrio-lhe porque não posso fazer senão sorrir. Não posso perguntar-lhe o que me ocorre. Não tenho coragem de averiguar se acaso não lhe parece a vida um perigo bem maior que a solidão.



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Involuntário Afastamento

Passei o dia na praia: eu e uns velhos que pescavam à linha, os banquinhos reformados na areia, cinco passos recuados à maré, cinco passos acautelados à rebentação impiedosa do mar. Precisava desesperadamente de sol a morder na pele!... Talvez tenha adormecido também. Não estou certa. Só este torpor de consciência dormente e a vaga impressão de que eras tu e não o sol, cravado ao de leve no meu ombro. Volta-me um remorso estranho. Deveria ter ido a ti!... Queria! Queria ter ido a ti. Em vez disso fiz o caminho da praia. Quando vi tinha-me afastado já demasiado!!... Amanhã, então!... Quem sabe, amanhã?!

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Lenta Tortura



Às vezes queria não ter escrúpulos. Queria não ter nenhuma réstia de convicção, que era para a agulha dos princípios não me picar como agora na sua ponta frágil e fina... que era para não ir sangrando em gotas esta minha certeza de que não te voltarei jamais. Por muito que me doa. Por mais que me roa. Por mais que o tempo passe e tu continues, teimosa, a fazer-me saber a espaços do quanto me choras o regresso. É sem volta, Querida: não mais voltarei a ser a Tua Menina ...Mesmo que a toda a hora me sobrevenha esta absoluta certeza de que eramos perfeitas ...Mesmo que em dias como o de hoje, te surpreenda a varar a madrugada em claro dentro de mim... e a atravessar-me a manhã... a dilacerar-me tarde a dentro... a perseguires-me as horas que de novo me aproximam perigosamente do crepúsculo onde há-de anoitecer uma vez mais. Mesmo depois de tanto tempo. Muitos meses mais do que aqueles que há para caber num ano. Mesmo assim!!... Ainda que viver seja esse corroer-me vagarosamente por dentro... só porque resolvi que não te hei-de voltar!... Só porque decidi que não será teu esse último escrúpulo que me restou depois de ti. O único que não quebrei em teu nome.

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terça-feira, outubro 19, 2004

«Cry Me a River»



É imponente o uivar do vento. Há muito tempo que não o ouvia rugir tão bravo. Tinha saudades, pelo que percebo...! E fico assim: a escutar-lhe o rodopio, a ouvi-lo entrar pela chaminé da cozinha, pela lareira, pelas frestas das janelas desamparadas sobre a cidade... Fico a escutá-lo dançar as copas das árvores do jardim, silvar por entre as telhas e jelousias, urrar remoínhos em torno da casa... Baixo o volume da música que sai da aparelhagem para não lhe incomodar a cantata mobile e fico a desfrutá-lo como se fosse humano, como se o seu roçar se estendesse comigo no tapete macio. Pouso o livro. Devagar. Muito devagar!... Para que nada lhe perturbe a ânsia. Para que nada lhe entorpeça a fúria. Vêm-me à cabeça as histórias que me contaram os negros da Bahia, antes do Pelourinho, por cima dos caixotes de madeira do cais: é Iansã cavalgando a sua rebeldia, nua pelos ares!... Deixo-me ficar a olhar o turbilhão dos seus cabelos contra o branco do tecto. Linda Princesa dos Sete Ventos Nús!!... Pouso o livro, baixo a aparelhagem, fecho os olhos. Chove. Venta. Chove forte, agora. Venta ainda mais bravo, neste momento. Iansã cavalga liberdades pelo tecto da casa, enquanto o vento urra a canção. Baixinho. Bem baixinho!... por debaixo da voz da ventania que estremece o telhado e me faz jurar que perdi a terra firme. E me faz jurar que navego, agora!... que a casa se transformou num navio solto em alto mar. Enquanto o vento baila o telhado e me faz dançar os olhos fechados. Aqui. Agora. Neste exacto instante.

(...)

Now you say you're lonely
You cry the long night through
Well, you can cry me a river
Cry me a river
I cried a river over you

Now you say you're sorry
For being so untrue
Well, you can cry me a river
Cry me a river
I cried a river over you

You drove me, nearly drove me, out of my head
While you never shed a tear
Remember, I remember, all that you said?
You told me love was too plebeian
Told me you were through with me and

Now you say you love me
Well, just to prove that you do
Come on and cry me a river
Cry me a river
I cried a river over you
I cried a river over you
I cried a river...over you...*




*[«Cry Me a River» - a voz é a de Diana Krall, mas podia não ser!... Podia ser a Joplin. Eu gosto! Muito.]

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Ventania



Voltei a trancar-me em casa. Por todo o dia a ventania varreu as vidraças, a toda a volta da casa. À falta de furacões mais implacáveis, a Protecção Civil não hesita e espalha eufóricos alertas à população nos noticiários da rádio e da televisão: evitar as ruas tanto quanto possível, recomendam. O mais possível, eu digo!! Já não tencionava sair de casa, de qualquer forma. Assim tenho, pelo menos, a desculpa do temporal...! Calha-me na perfeição esta ventania que se agigantou nos corredores da cidade. Para variar, é bom saber que o mundo não vai acabar: que somos só nós a fingir que acreditamos que sim!...

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segunda-feira, outubro 18, 2004

Estendal



Mantenho as janelas abertas de par em par à chuva miúda que borrifa ao de leve o chão da sala. Resisto teimosamente a vestir mais camisolas. Mantenho-me ainda firmemente de pés nús e descalços. Tenho a certeza que no instante em que começar a sobrepôr peças de roupa o Verão terá terminado de vez, e eu não quero que termine. Odeio o sofrimento do frio.

(...)

No prédio ao lado estão a colocar uma lona no lugar do telhado que arrancaram. Ouço as vozes dos homens das obras em alvoroço. Discutem muito. Insultam-se muito alto. Não os levo muito a sério. Levantou-se um vento forte atrás da chuva. Ouço o barulho da lona a ondular debaixo das rajadas incertas. Primeiro sobressalto-me. Depois acostumo-me e o restolhar espesso da tecitura pesada torna-se familiar. É como o do pano da bandeira no mastro principal do navio, em dias de tempestade no mar. É como se tivesse sido hasteado um telhado de pano crú aqui, no cume da colina. É como se o rumor causado a cada golpe de rajada me fizesse regressar às areias do Norte de África... como se as mãos operárias que discutem e rugem por cima da minha cabeça me acordassem outra vez esse inegualável sono que só se dorme no deserto: debaixo do roçagar dos ventos, dentro da tenda dos beduínos.

(...)

Os homens da obra voltam a rugir uns com os outros. Crispam-se-lhes insultos na boca. O vento estala com mais força, anunciando nova bátega de água. E o resfolegar do pano... (como se fosse uma bandeira!...) o rumor oco que sacode o telhado de lona, a cada vez que lhe dá o vento!... Não se entendem. Discutem sobre a melhor técnica de a firmar e não se entendem. Lá em baixo, no quintal, a governanta do meu outro vizinho veio apanhar à pressa a roupa que tinha estendida. Fico a pensar nos seus 47 anos de casa e ocorre-me que podiam perguntar-lhe como fazer: ... a ela, que já perdeu a conta a quantas cordas de roupa estendeu em 47 anos de quintal!... A ela que já vai na 3ª geração de fileiras no estendal, sem nunca ter deixado que voasse uma peça!...

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Apatia

Permanece o véu de névoa e água suspenso sobre a cidade. Recomeçou a chuva. Penso em si. Deveria ligar-lhe. Deveria , na verdade, estar neste momento na estrada a correr para si, como lhe prometi para 6ª feira e não cumpri. Como me apetecia fazer e não faço. E não sei porquê. Simplesmente não sei. Pesa-me a consciência. Dóiem-me vontades no corpo. Deveria estar a correr para si neste momento, mas não sei porquê não estou. Falta-me. Preciso de si!... E, no entanto, desligo os dois telemóveis!... Não sei porquê. Desligo.

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Censura

Antes das nove da manhã já estou de volta a casa. Chove em Lisboa e começa a fazer frio. Não arrisco a ir até á praia. Talvez dê um jeito nos roupeiros, hoje... se entretanto estiver inspirada!... Desisti à última hora de parar no quiosque para comprar o jornal. Acho que vou cortar de vez com esta necessidade de ler as notícias todas logo pela manhã. Desta vez é que é! Preciso de me curar desse vício. Só serve para me lembrar ainda mais do quanto amava o meu trabalho. Não volto a comprar jornais. Sempre é mais uma moeda que se poupa em época de crise.

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domingo, outubro 17, 2004

Éter

Domingo. Ouço na rádio, en passant: «Não deixe a saudade amachucada no tempo. Procure a felicidade T-O-D-A». Fico atordoada ao cimo da escada. Esqueci-me que ia descer. Esqueci-me da torneira a correr para o banho, lá em baixo. Queres ver que afinal ainda há poetas a sobreviver no éter??!

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sábado, outubro 16, 2004

Sábado Operário

Acordo cedo com o barulho de berbequins e picaretas no prédio ao lado. Esventraram o telhado, entre ontem e hoje. É sábado. Não sabia que a obra continuava pela manhã do fim de semana!... Venho tomar café preto de frente para Lisboa, olhando a cidade escurecida a cinzas. Lembro-me do «Operário em Construção» do Vinicius de Moraes. Lembro-me do poema. Era Setembro, no Algarve. Uma edição barata de papel áspero da editora Dom Quixote. Teria para aí 13 anos e um amor bronzeado a florir pelos poetas brasileiros. Ponho Chico Buarque a tocar baixinho. A canção.

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sexta-feira, outubro 15, 2004

Entreter(-se)



Percebo cada vez menos as pessoas que vivem obsecadas por encher as horas de gente, apavoradas com a ideia de ficarem sozinhas mais que meia hora. «Isso é porque vivem a procurar por ti...», dizes do outro lado da linha. Passo por cima de um compasso mais pensativo da tua voz. Prossigo na perplexidade: nunca consegui entender como é que alguém se pode aborrecer a sós consigo próprio. «Isso é porque tu não sabes o que é ser-se absolutamente desprovido do interessante...» Eu tenho sempre mil ideias quando estou sozinha! Mil ideias onde me perco e nunca me canso. «Isso é porque tu não sabes a sorte que tens!... Não sabes quanto tédio pode existir dentro de uma única pessoa.» Passo mais perto da tua observação, agora. Digo: Sempre me fez muita confusão! Tenho tanta coisa para fazer só comigo que toda a vida precisei de ensaiar fugas, de escapar dos outros, mesmo que à traição. Só pelo prazer de ficar sozinha. «Isso é porque tiveste sempre muita gente atrás de ti. É porque todos te desejam mais e mais perto. Sempre perto. Sempre por perto. Para sempre. E tu não sabes o que é não ter ninguém. » Sei sim! Agora não tenho ninguém. É assim: é como agora! Como há já mais de um ano, aliás. E gosto assim, para ser franca. Gosto muito. «... "porque gosto assim": é aí que está toda a diferença! É por isso que tu não sabes. Não tens porque não queres, não porque não exista. Tu não sabes o que é não existir ninguém...» Penso em todas as vezes que dou comigo a rezar para que se esqueçam de mim e me deixem em paz. São muitas! Digo só metade: Não consigo perceber! Tenho sempre tanto com que me entreter quando estou sozinha!... «Queria eu, agora!...» O quê? Estar só? «Não. Entreter-me em ti

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Desacostumada

Irrita-me a quantidade de decisões que se têm que tomar até para criar um simples blog: "username"...."título"... "password"... Já para não falar no "template"... no modelo dos "posts", dos "comentários", do "formato da hora", do modo de "arquivo"!... Deve ser dos dez meses. Deve ser por dez meses serem muito tempo, muitos dias. Deve ser de tantos dias sem se passar nada. Em dias sem nada também não há decisões. As decisões desaparecem dos dias sem nada. Deve ser dos dias sem nada.

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Estou a criar um BLOG. O "meu" blog.

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Afinal, hoje vou criar um blog. Decidi. Finalmente.

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Contrariedades

Hoje vou ficar protegida no resguardo da casa. Não tenciono voltar a sair para mais nada. Aproveitei que estava na rua e até já comprei outro maço de cigarros. Providencial, a compra! Ás vezes ainda sou uma rapariga de brilhantes iniciativas!... Vou fechar-me em casa. Nem quero ver o dia triste que amanheceu para hoje. Queria tanto ir à praia!... Precisava tanto de mais mar!... Precisava tanto de um pouco mais de sol no corpo!!...

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Chumbo e Água



Missão cumprida. Volto para casa debaixo do mesmo rolo espesso de nuvens cor de chumbo e àgua. Continuo a guiar depressa. Como se houvesse pressa!... Como se houvesse necessidade dela. De qualquer maneira continuo a ter esta coisa de competir comigo mesmo na condução: apostar maior rapidez nos percursos alternativos que vou traçando em cima da hora, a cada vez que se descortina um sinal fechado, um qualquer aglomerado de carros, qualquer coisa que ameace ao longe retardar-me o caminho. Tomei café e comprei pão fresco. Gosto de comprar ali porque o colocam num saco de papel. Lembra-me Manhattan e Nova Iorque e evita que fique mole como uma pastilha elástica. Volto para casa veloz. Fujo do dia horrível e triste. Não posso ir apanhar sol paraa praia como tinha planeado e isso irrita-me de sobremaneira. Tira-me a vontade de tudo e mais alguma coisa. Deixa-me perdida. Sem alternativa. Sem saber o que fazer do dia quando ele ainda mal começou. Quando ainda falta tanto para ele acabar. Já chuvisca. Ligo o limpa-párabrisas e refreio a condução. Lembro-me que não paguei o seguro do carro e que o piso ensebado das primeiras chuvas é traiçoeiro e escorregadio. Era só o que me faltava, agora!... Desisto de ganhar uns segundos na correria do asfalto e não corto a curva da Feira da Ladra que sempre me faz passar à frente dos outros carros. Suspiro. Céus!!... Entretanto começam a cair os primeiros pingos. Eu estava mesmo à espera que chovesse hoje: o céu amanheceu carregadinho!... Não vejo a hora de chegar a casa. Não me apetece nada. Não tenho vontade para nada. Hoje. Mais uma vez.

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Atravessar Guindastes

Faço o caminho à beira do porto várias vezes. Já houve um tempo em que o fazia todas as manhãs. Agora passei a fazê-lo menos. Hoje calhou-me novamente. Tinha saudades de ver o rio a esta hora. Mesmo quando o vejo assim: macilento e enegrecido debaixo do dia cinzento. Há um pronúncio de chuva a carregar o horizonte, prestes a desabar. Só não sei quanto tempo falta para que desate a chover. Aprendi a gostar de olhar o rio, as gruas e contentores do porto, mas não sou do mar. Não sei lhe sei ler exactidões enquanto o olho.

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É Quase Dia

Amanhece. Vejo o dia chegar muitas madrugadas. Daqui a pouco tocam os despertadores da casa. Estou a pé. Esta noite também não me deitei. Gosto especialmente desse limbo de claridade quando, apesar do sol nascente, os candeeiros da rua continuam acesos. Descubro que hoje o dia vai ser cinzento. A cidade ainda dorme. Não sabe que se lhe prepara um céu velado e triste ao acordar. Que desalento! Não há nada pior que dias cinzentos quando se está desempregado e não se tem nada para fazer.

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O Meu Blog

Não sei que espaço é este e ocupo-o sem nenhum anseio particular de esclarecer a questão. Imagino que passarei a vir aqui com frequência. Não porque se trate de um diário. Apenas porque tenho um certo hábito de escrita. Nunca escrevi diários e não sei para que poderia servir-me um. Mas escrevo. Não desta forma, ou pelo menos, não aqui. Por razões que não vêm ao caso, preciso de me transferir do papel para cá. Talvez porque precise de convocar a escrita a um só e mesmo lugar. Eu não sei. Sei que passei a vir escrever para aqui. Despejo coisas escritas.... agora... antes....há tempos atrás... Algumas dessas coisas sei quando foram escritas, outras nem por isso. Mudei-me para cá e não penso sequer que rumo dar a este espaço. Sei só que me agrada tê-lo. Saber dele. Saber onde está. Saber onde fica quando o deixo. Mais nada! Pelo menos agora. Pelo menos para já.

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