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sexta-feira, julho 15, 2005

Pássaro de Ferro

Convoca-se o Grande Pássaro de Ferro ao vôo. E o fogo que ateia abre os olhos dos que choram. Como eu. Devolvida a um chão que não me pertence, mas onde (apesar de tudo) moram saudades que ainda me habitam.

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segunda-feira, junho 06, 2005

Cobalto Vivo

Woman's endlessly continuous movements - Não tenho como não sublinhar o lampejo, que há brandos instantes felizes que chegam só pela mão do que nos é ternamente familiar. Pode ser breve. Pode até ser porque sim. Pouco importa. Como de pouco também importa se a demora já tardava, que "contas feitas" o tempo é de quem se ausenta e sabe como ninguém todas as coisas que urgem à frente e acima da demora. A mim cabe-me não me desviar um milímetro do lugar onde persistem (eu sei!) ecos de arianas muitos e se escutam, ainda e sempre, loucos tilintares de lucidez como este:

«A felicidade encontrá-la-ás quando procurares
e encontrares outra coisa qualquer

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sábado, junho 04, 2005

O Meu Xaile de Viana

Não queiras, Senhora, não queiras!... Desafiar-me assim embuçada, sob a capa e sem a espada, como corsário sem mar e onda sem paredão!... Não queiras, Senhora, e não venhas, com teu trinado a arder e tuas armas de prata, oferecer-me embustes de lava e rosas bravas aos pés da cama!... E se me olhares não me toques, se me tocares não me ames, que somos ambas sombras pardas (tão pardas!). E é o mesmo fado, Senhora!... Este que me escorrega o ombro nú sob o xaile de Viana... esse que te desce a mão à cinta por sobre veludos de Veneza. E por sermos o mesmo, Senhora, melhor fora do mesmo nunca sairmos e ficarmos só como somos: dois vultos loiros de sinas ciganas, dois relentos agrestes por não temem lobos nem feras.

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domingo, maio 29, 2005

(D)espojada

Espojada em águas lisas, Meu Amor. Preguiçosa, diante desta persistência dos dias pela ética das coisas mornas que um certo custome ordenado agrava. Depois que amanhece. Com vontade de gatinhar a quatro patas e avançar veredas assim: em equilibrado sustento de braços e pernas. Sem evoluções escusadas. Sem destrinça. Como os bichos. Na horizontalidade de uma simples perpendicular entre o lombo e o chão.

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terça-feira, maio 24, 2005

«Prenda Minha»



Tocar sublimes sem sair do lugar. Assim como quem respira rosas e lilases. Num quieto restolhar de plateia. Como se a beleza do mundo descansasse afinal entre suspiros. Infantis e generosos. E o sentido das coisas surgisse sem dor debaixo da lua cheia. Simples!... Como um vício de dedos atravessado ao violão. Dedilhado em finas cordas. A brincar notas e harmonias. E haver só isso. E não haver mais nada. Antes e depois.
Ilusão à Toa, por Rosa Passos, a mesma
que cantava quilómetros dentro do carro do meu pai.

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sábado, maio 21, 2005

Rosa Chá

Olha Maria / Eu bem te queria / Fazer uma presa / Da minha poesia / Mas hoje, Maria / Pra minha surpresa / Pra minha tristeza / Precisas partir

Parte, Maria / Que estás tão bonita / Que estás tão aflita / Pra me abandonar / Sinto, Maria / Que estás de visita / Teu corpo se agita / Querendo dançar

Parte, Maria / Que estás toda nua / Que a lua te chama / Que estás tão mulher / Arde, Maria / Na chama da lua / Maria cigana / Maria maré

Parte cantando / Maria fugindo / Contra a ventania / Brincando, dormindo / Num colo de serra / Num campo vazio / Num leito de rio / Nos braços do mar

Vai, alegria / Que a vida, Maria / Não passa de um dia / Não vou te prender / Corre, Maria / Que a vida não espera / É uma primavera / Não podes perder

Anda, Maria / Pois eu só teria / A minha agonia / Pra te oferecer.


Olha Maria, de Chico Buarque,
por Fafá de Belém, em «Tanto Mar».
No Teatro-Auditório do Casino Estoril.


(...)


És bela, sim!... quando abres o colo e me deixas sair. Mais bela, sim!... quando és força mátria ausente da fúria. Quando és lei sem espada e sem açoite.

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«Need» or «Near»

Flor do Reggae


O reggae me traz saudades de quem me beijou
E agora está tão distante em outra ilha
O amor me chamou de flor
E disse que eu era alguém para a vida inteira


Vê-se e escuta-se AQUI


Não é por ti que me sobem os braços ao alto. Não é. Vão sozinhos, os braços. Soltos como barcaças sem lastro. Sobem sozinhos, os meus braços. Atrás da maré que começa lá em baixo. E crescem no frenesim do escuro por sendas de areia morna. Erguem-se de frente para a memória desse chão movente, onde ainda enterro o tornozelo e prendo estrelas piscas ao beiral das unhas. E se me descem brilhos de lua ao corpo é porque preciso de um corpete mais justo que me aperte a cinta a todas as coisas que tu hás-de libertar, quando mais tarde me vieres. Para me despir o peito e largar a anca. Para quando mais logo vieres, enfim, comer-me a noite ao centro do umbigo e desatar-me a fome junto com os cabelos.

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sexta-feira, maio 20, 2005

...They're Playing Your Song, Baby!



Hoje eu preciso te encontrar de qualquer jeito
Nem que seja só pra te levar pra casa
Depois de um dia normal
Olhar teus olhos de promessas fáceis
Te beijar na boca de um jeito que te faça rir (que te faca rir)
Hoje eu preciso te abraçar
Sentir teu cheiro de roupa limpa
Pra esquecer os meus anseios e dormir em paz
Hoje eu preciso ouvir qualquer palavra tua
Qualquer frase exagerada que me faça sentir alegria
Em estar vivo
Hoje eu preciso tomar um café, ouvindo você suspirar
Me dizendo que eu sou o causador da tua insônia
Que eu faço tudo errado sempre, sempre...

Hoje preciso de você
Com qualquer humor, com qualquer sorriso
Hoje só tua presença
Vai me deixar feliz
Só hoje


Escuta-se AQUI


Só Hoje, de Fernanda Mello e Rogério Flausino para Jota Quest


Fala-me à língua. Sempre. Mesmo que não venhas todos os dias. Quando vieres. Ou quando eu for. Quando tu chamares, ou eu me lembrar. Mas fala-me à língua, Meu Bem, que nenhum pretexto é necessário diante das vontades nuas de um colo sem garras. Porque quando me falas à língua há qualquer coisa que se adoça em teu nome, e eu confesso que amo em ti esse discreto poder de me amansar afectos esquivos, esse «não-sei-quê» que me reverte o passo num namoro de berlinde, que me cruza as pernas em X e me escreve o coração a giz contra um banco de jardim. Á língua, Meu Bem! Ao colo. Trepada ao teu colo. Hoje e todas as vezes.

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terça-feira, maio 17, 2005

O Chilreio

Há alguns dias que silencio a música dentro de casa, em reverência ao canto dos pássaros que alagou as copas e está agora por todo o lado. E ficamos assim: eu, tu e este chilreado sem interrupção - única banda sonora do mundo que entretanto acordou lá fora.

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terça-feira, maio 10, 2005

Fio de Prata

Simples e serena se escreve a descoberta. Como um memorando breve das coisas essenciais a não esquecer. Como esta:

«se há coisas importantes» é ter «uma pele feliz» .

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domingo, maio 08, 2005

Bolha de Ar

Não sei se prefiro, Meu Bem, toda a liberdade subitamente estendida, se essa prisão à tua ponta, que sempre me levou onde te sei ou me fez saber de ti onde te acho. Sopra-me o receio escasso que te escapes demasiado, agora que as paredes se abrem e nos fendem ao que ficou cá fora. E talvez agradeça que o mundo venha a conta-gotas... Que haja ainda, afinal, uma última redoma por romper. Um tecto de carro. Um vidro embaciado. Um trinco fechado. Qualquer coisa que nos garanta o maravilhoso baile azul dentro do aquário. E gosto, Meu Bem, dessa esférica fronteira desenhada a luz de candeeiro sobre a calçada, onde o mundo ainda nos termina numa espécie de bolha de ar concêntrica à noite.

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Post-it

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sexta-feira, maio 06, 2005

A Bela Nova

Queres lá ver que hoje, quando amanheceu, havia já uma boa nova suspensa sobre as nossas sombras ausentes e eu nem desconfiava ?!...

(...)

Mas por mais bela, a nova, Meu Bem, eu não penso. Porque rente a ti, quase nada me fica nos lugares de antes. Ao primeiro troar dos sentidos, eu sou assim como um corpo decapitado de Antonieta e nunca o cérebro me acompanha até mais que aos pés da cama.

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quinta-feira, maio 05, 2005

«Speak Easy»

Esse era o tempo, Marujo, em que vinhamos pelo poente até que a noite nos mandasse de volta ao Cais. Era esse o tempo. O tempo do teu silêncio em olhos de avelã. Altivo e sereno, como se tudo o que te recaísse à pálpebra mais não fosse que uma linear extensão de água e tudo se pudesse olhar com a mesma horizontalidade com que se porfiam os mares. O tempo de um certo empoleirar em banco alto, de súbtis gestos em permanente desacato, quando morrias à minha mão sob a mesa, imperturbável como um mastro de passagem pelas vagas altas, distante e calado, perdido num eco de saxofone mais adiante. Era esse o tempo. O tempo em que sorrias diante de mim (caso perdido!), acendias um último cigarro sob a sobrancelha pisca e, mais de esguelha, me fazias o sinal de sempre, que era todas as noites como quem diz: Anda, vamos acabar de morrer em cima do rio.

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... «Speak Low»

Speak low / When you speak love / Our summer day / Withers away / Too soon, too soon

Speak low / When you speak love / Our moment is swift / Like ships adrift,

Were swept apart / Too soon / Speak low / Darling speak low / Love is a spark / Lost in the dark / Too soon, too soon

I feel / Wherever I go / That tomorrow is here / Tomorrow is near / And always too soon / Time is so old / And love's so brief / Love is pure gold / And time a thief

We're late, / Darling we're late

The curtain descends, / Everything ends / Too soon, too soon / I wait, / Darling I wait / When you speak low to me, / Speak love to me and soon


Ancestral composição de Ogden Nash e Kurt Weill

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quarta-feira, maio 04, 2005

Em Esboço

Se te entro os dedos à nuca, é só porque gosto do efeito das bolinas que vou traçando em cada fio de cabelo teu. E tu deixas-me reinar caprichosa, nessa espécie de rumo ausente, como quem sabe que por mais brusca que te guine, nenhum dano te será traiçoeiro. E pões-me a boca como quem me dá uma mina de carvão e se deixa ao esquiço. Pelo puro prazer de ver que esboço sairá hoje de nós, quando outra vez te trouxer aonde te quero.

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terça-feira, maio 03, 2005

Princess Bride

Faço, sim, esse sinal que te lança o galope. Porque é mais feliz o instante de empurrar a porta, entrar em casa e ver o teu chapéu pendurado no lugar certo: soberano de ti, Soberana. Como um espeto hirto, uma bandeira avançada ao pó, um crivo firme, um cruzeiro de pedra alva adiantado aos corredores. E sei de ti pelo perfume das maçãs-camoesa. Sei de ti pelos fios de terra que ganhaste ao chão, pelas pegadas paralelas na madeira encerada das tábuas. E sei que fizeste, na minha ausência, o caminho que te é devido. Até à minha cama. Onde agora dormes como quem me aguarda, sob o sono leve dos animais cansados. Soberana, sim. Rainha bandeirante, vinda de muitas léguas e cavalgadas. Podes sim, abrir meia dúzia de pestanas antes do meu sussurro. Tenho para ti um mergulho ao centro das águas fundas e franjas de pele nua para te alimentar os dedos. Porque amo quando me estendes a ti e em mim vens lavar cada poeira de estrada que trazes no corpo.

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domingo, maio 01, 2005

«O Primeiro Dia Do Resto Da Minha Vida»

Há um fado que canta assim, «as coisas vulgares que há na vida / não deixam saudade / só as lembranças que doem / ou fazem sorrir» (*). E eu lembro-me disto porque, inusitadamente, me ficaram dois versos na boca. Dois trauteios breves deixados assim, alguns anos depois, como uma espécie de tributo a ti. Justo. Sentido. Teu.


«Há gente que fica na história
na história da gente
(...)

Há dias que marcam a alma
e a vida da gente
»


... e aquele em que tu me atravessaste a fronteira, eu não posso esquecer.

(*) Jorge Fernando para a voz de Mariza

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Revelação Maior

«Sou como tu / da mesma luz / do mesmo amar»

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Terreiro do Trigo - 1º de Maio

Cheguei. Eu sei: vejo-te, daqui. E agora? Continuo a ver-te, sigo-te daqui. Desco para te buscar. E nesse teu vício irresistível de sempre me acompanhares de longe os movimentos, abres-me uma porta a cima da cidade e do chão dos homens. Lá mais ao alto, onde Tejo e céu são já dois azuis iguais. Abres-me o espaço em falta, páras a tarde, e suspendes todos os dias que a seguir se hão-de vir somar (quem diria?!). Para me passear em país novo. Para me levares a correr contigo o delirante instante das descobertas inaugurais. Para - com o implacável prazer dos lúcidos - vires recrutar-me em nome dessa outra metade do mundo, que tanto acreditas reclamar-te o meu resgate.

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sábado, abril 30, 2005

Resgate

Hoje acordei em prece, agradecendo o mistério da tua indefectível persistência. E sorrio sorvendo o gosto da vida, sentindo apenas o gosto do presente. Esquecida, já, de todas as asfixias, bailando ao sabor da leve infinitude dos dias que me devolves pela mão da fina afinidade dos corpos. E já não penso no que ficou para trás, afogado algures, na espuma dos dias que passaram por nós - incapazes de nos sobreviver.

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sexta-feira, abril 29, 2005

«Beleza Roubada»

Melhor assim!
Tudo pode mudar
Melhor assim!
Tudo está por um fio
fino e invisível.

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quarta-feira, abril 27, 2005

Num Cofre, a Oriente

... E mais a Oriente se abre o cofre a um sentido tão claro e simples que quase se confunde com o mais secreto dos achados:

« É porque estamos no Paraíso
que tudo neste mundo
nos magoa.
Fora do Paraíso, nada incomoda,
porque nada conta.
»
(Ono no Komachi - Japão)

Mais uma vez, é aqui que está.

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terça-feira, abril 26, 2005

«Tenho Fome!»

Sim, é verdade: pequenas frases fatais que se escapam de nós como ecos dos instintos primeiros, primários sentires que falam antes que pensar se faça urgente, confissões inocentes das coisas que nos animam os sentidos. Sim, tens razão: nunca eu disse «Tenho Fome!...» sem que me trouxesses comida. E sim, eu sei: de certa forma, não estariamos hoje aqui se não te tivesse dito exactamente a mesma coisa, há quatro anos atrás. E é só por isso que me corre agora esta coisa da irremediável fatalidade contida nas frases orgânicas. Porque eu já devia saber o quão perfeita és a responder à precisão dos meus apelos. Quando eles são assim: como agora (outra vez) te soam - inconscientes (ainda) da fundura da falta que sentem, ingénuos (quem diria?!) da necessidade que dentro se lhes anuncia.

(...)

«Amo-te quase assim», tu dizes, «Quando depois do desalvoro, sentes fome e é a mim que vens. A pedir comida. Como quem sabe sempre onde ir ter. Como quem sabe sempre quem mata as fomes que sobram. Como quem sabe e não se perde do lugar onde ficou a mão capaz de alimentar. Depois do mundo. Apesar dos outros. Quando chega ao fim o teu tempo lá fora. Depois do relógio se partir. Terminado o intervalo do teu desassossego. Ao largo. Na rua. Longe de casa. Sem mim.»

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segunda-feira, abril 25, 2005

Algures Naquele Quarteirão

«Adormeci / com a sensação / que tinhamos mudado o mundo / na madrugada /a multidão / gritava os sonhos mais profundos»

Brumas do Futuro, Madredeus

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Muitas e Mais Uma

«Manhã de Abril / e um gesto puro / coincidiu com a multidão / que tudo esperava e descobriu / que a razão de um povo inteiro / leva tempo a construir.»

Brumas do Futuro, Madredeus

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Cama Virgem

«Sim, foi assim que a minha mão / surgiu de entre o silêncio obscuro / e com cuidado, / guardou lugar / à flor da primavera e a tudo

Brumas do Futuro, Madredeus

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domingo, abril 24, 2005

As Cartas

Há um instante - um brevíssimo instante - que pode ser surpreendido ao raiar da aurora, em que o mundo é uma cúpula tão fluida como o oceano. Pode observar-se a olho nú se houver silêncio. Pode ver-se dos topos nús da terra, se as mãos pararem um pouco e o queixo se rachar ao espanto, vago e sem temor. É o instante em que a vida é sem redoma e uma voz Azul Cobalto nos guia em direcção às pequenas descobertas que fazem o dia amanhecer diferente: lá, onde as cartas se desatam e, por entre o primeiro café quente da manhã, alguém nos confia a mansa suspeita de que, afinal, o Coração Gasta-se.

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Fim-de-Semana Grande




Quatro dias para, um a um, me refazeres cada um dos quatro anos que chegaram antes de ti. «Um dia por cada ano!», tu dizes então. Com a perfeição de quem ressuscita loiras princesas ao trigo mouro. Com magos dedos imperiais e um desalinho de cabelos asa de corvo ao centro da minha cama.
(...)

Esta manhã voltei a montar. Voltei ao prado. Como agora volto a ti. Depois de ter saido de mansinho, enquanto dormias. Para não te estremunhar antes da hora.

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A Tabuleta

Hoje, pela manhã, desci a alameda até uma quinta próxima que, na tabuleta da entrada, tem escrita uma prodigiosa frase de Caeiro:

«A criança que pensa em fadas
e acredita nas fadas,
age como um deus doente
»

Gosto de passar por lá e ser saudada de frente pelos dizeres do "pastor" das cabras e ovelhas... Gosto de pensar que, de certa forma, colheu no mesmo pasto orvalhado o segredo de ir apascentando pessoas... por entre versos vivos sobranceiros ao tempo... E nesse meu vaguear matinal, dou por mim a perguntar por "m", a perguntar-me por onde andará. As últimas linhas que lhe li davam conta que trazia «um sol a arder cá dentro num murmúrio pulsante». Talvez tenha dado ouvidos ao sussurro. Gosto de pensar que sim. Agradam-me os que perseguem o invísivel.

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sábado, abril 23, 2005

(Des)Encantamentos

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sexta-feira, abril 22, 2005

23 de Abril ou "Os Dois Começos"

Às vezes as datas parecem-se com pequenas coincidências irónicas, incautos contratempos em desaviso... quase perversos na ocorrência... quase culpados, pela banal casualidade que os fez assim: ... levemente constrangedores, fortuitamente inoportunos.

(...)

Dois começos com calendário fixo, então!... Que é para eu não escapar à lição dos dias: essa que vem e mostra que o fósforo ardido só ardeu para acender uma chama outra em seu lugar. Antes de se extinguir. Como quem escurece por ser já hora de tudo o que amanhece.

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quinta-feira, abril 21, 2005

Rainha

Vens a mim com a força de um vento soberano. Vens com as tuas ganas de fome crua. Trazes a mim a tempera bruta das matrizes audazes. E eu sei que não vale a pena supor que te possa estar mentindo, se disser que continuo rendida ao teu estremecimento maior. É ainda teu o pulso mais forte. É teu, sim, o poder de seres maior que todas as coisas regressadas para te ensombrar. Eu?!... Eu fico-me com esta tresloucada felicidade de criança que me assalta a cada vez que vens e me reclamas. Firme e inabalável. Hasteando desmesuras e trovoadas. Vergando o mundo a cada passo avançado adiante. Como hoje, como agora. Como daqui a três quartos de hora. Quando o avião te aterrar em mim.

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